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domingo, 22 de janeiro de 2012

O CRIME DE ACORRENTAR E APRISIONAR UM ATOR

(Foto: Du Machado)


          "Não existe um ser humano que seja óbvio e fácil de compreender. O verdadeiro ator não deslizará pela superfície das personagens que interpreta nem lhes imporá seus maneirismos pessoais e invariáveis. Sei perfeitamente bem ser esse o costume largamente reconhecido e praticado, hoje em dia, em nossa profissão. Mas, seja qual for a impressão que isso possa causar-lhe, permita-me a liberdade de expressar-me sem restrições sobre esse ponto.
É um crime acorrentar e aprisionar um ator dentro dos limites de sua (assim chamada) “personalidade”, convertendo-o mais num trabalhador escravizado do que num artista. Onde fica sua liberdade? Como pode ele usar sua própria criatividade e originalidade? Por que deve ele aparecer sempre diante do público como uma marionete compelida a fazer a mesma espécie de movimentos quando os cordéis são puxados? O fato de que autores, público, críticos e até os próprios atores modernos tenham-se habituado a essa degradação do ator-artista não torna a acusação menos verdadeira nem o mal menos execrável.
Um dos mais decepcionantes resultados provenientes desse tratamento habitual do ator foi fazer dele um ser humano menos interessante no palco do que invariavelmente o é na vida privada. (Seria infinitamente melhor para o teatro se o inverso prevalecesse.) Suas “criações” não são dignas de si próprio. Usando somente seus maneirismos, o ator acaba destituído de imaginação; todas as personagens tornam-se-lhe a mesma.
Criar, na acepção real, significa descobrir e mostrar novas coisas. Mas que novidade existe nos afetados maneirismos e clichês do ator agrilhoado? O profundamente escondido e, hoje em dia, quase completamente esquecido desejo de todo verdadeiro ator é expressar-se, afirmar seu próprio ego, por intermédio de seus papéis. Mas como poderá fazer isso, se é encorajado, solicitado, na maioria dos casos, a recorrer a seus maneirismos, em vez de a sua imaginação criativa? Não pode, já que a imaginação criativa é um dos principais canais através dos quais o artista existente por meio nele encontra o modo de expressar sua própria interpretação individual (e, portanto, sempre única) das personagens que retrata. E como irá ele expressar sua individualidade criativa se não penetra ou se não pode penetrar profundamente na vida interior das próprias personagens com sua imaginação criativa?
Estou inteiramente preparado para encontrar certa discordância com esses pontos de vista; é um sinal, pelo menos, de que o ator está dedicando alguma reflexão ao problema. Não obstante, a bem da argumentação, convém achar o melhor árbitro. Nesse caso, recomendo o próprio poder da imaginação. Comece fazendo os exercícios sugeridos a seguir e você poderá mudar de idéia depois de ver e sentir até que ponto desenvolve sua capacidade de penetração enquanto trabalha seus papéis; como suas personagens vão-lhe parecer interessantes e complexas, ao passo que antes parecia-lhe ordinárias, desenxabidas e óbvias; como lhe revelarão muitas características psicológicas novas, humanas e inesperadas, e como, por conseguinte, sua interpretação se tornará cada vez menos monótona!”
(Trecho do livro Para o Ator de Michael Chekhov - Ed: Martins Fontes - São Paulo 2003- Tradução: Álvaro Cbral)



MICHAEL CHEKHOV, sobrinho do dramaturgo Anton Chekhov, nasceu em São Petersburgo, Rússia, em 1891. Foi o mais brilhante membro do Teatro de Arte de Moscou, fundado por Constantine Stanislavski, até sua partida para o exílio em 1928, fugindo dos bolcheviques. Na Europa, até a chegada da Segunda Guerra Mundial e, a partir dos anos 40, nos EUA, Chekhov continuou explorando sua própria abordagem psicofísica para a arte de atuar, baseada na imaginação do ator como ferramenta para vivenciar o momento dramático.











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