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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O ATOR-CRIADOR EM BUSCA DO SEU DNA - PARTE I

(Foto: Du Machado)

O ATOR-CRIADOR EM BUSCA DO SEU DNA - Parte I
(Por Samir Murad)

          Tendo surgido no Brasil há pouco mais de uma década, entre aqueles que não só fazem mas também pensam o Teatro e por aqueles que  pensam o teatro que fazem, o termo ator-autor ou ainda ator-compositor, tem provocado em distintas comunidades  teatrais, discussões saudavelmente polêmicas. Na verdade esse conceito nada tem de novo, é mais velho do que o próprio Teatro como o conhecemos hoje e nos remete a um tempo, onde  o ator era o único elemento da Cena. O ator rapsodo Tespis, atrelado a sua carroça, andarilho, de cidade em cidade na antiga Grécia, contando  estórias  de embates entre deuses e homens, se transformando nos personagens que narrava, talvez seja para nós do ocidente a primeira referência desse ator, que hoje teima em renascer. Mas como Dioniso, deus grego cuja origem se perde em paragens mais orientais, esse personagem antecede o próprio Tespis. Não é por acaso que figuras exponenciais do século XX, que buscam a força suprema da eficácia teatral em suas origens, tais como Artaud e mais posteriormente  encenadores como Grotowski, Eugenio Barba, e Peter Brook justamente por serem europeus, vão buscar no teatro oriental, referências que renovem ou até mesmo ressuscitem valores que o teatro ocidental parece, em sua sede de um profissionalismo  capitalista e utilitário, ter esquecido. Mas aí surge um  grande paradoxo: ao ir de encontro a essas manifestações teatrais, eles se dão conta de outro contexto sóciopolítico onde elas estão inseridas, e que no máximo o que poderiam, era assimilar métodos e treinamentos, que pudessem auxiliar o ator desse lado do mundo, a encontrar  novas motivações para uma expressão mais plena. Isso porque inicialmente, o teatro encontrado nessas fontes não tem como para a maioria de nós, o sentido  apenas de entretenimento, ou melhor, de um entretenimento para fazer rir exclusivamente. O Teatro chinês, japonês, indiano, só para citar alguns dos principais, está cravejado em sua expressão cênica, de valores ancestrais profundamente ligados ao inconsciente daquele povo, que entende cada gesto, cada olhar, cada som emitido pelo ator em cena. As cores, os figurinos, os objetos, trazem significações simbólicas inerentes a sua cultura e a sua mitologia. O ator em cena é praticamente um sacerdote que pode cantar, tocar um instrumento, dançar e evocar as forças da natureza, como por exemplo o vento, a partir de um simples movimento da manga de seu figurino. Existe uma ambientação mas tudo converge para a figura do ator. Ele manipula todo o resto dos elementos de cena. Dificilmente existem espetáculos com muitos atores. São trabalhos muito específicos, altamente especializados. Na verdade são ofícios, passados de geração a geração, onde o filho assimila num treinamento que começa bem cedo, aqueles  conteúdos artísticos que são a memória, o registro da história de um povo. Ele passa a vida fazendo só aquilo, se aperfeiçoando, não tem que ter outra atividade para sobreviver. É pago para isso, pois a sociedade em que vive sabe o inestimável valor que esse artista tem para a manutenção de seu patrimônio cultural. 
(Foto: Du Machado)

          Evitando entrar em algum tipo de juízo de valores, fica evidente por motivos óbvios, a dificuldade de transposição desse tipo de teatro para a nossa realidade ocidental brasileira. Mas surpreendentemente temos muitos pontos em comum: um grande numero de atores na verdade, em todo o Brasil, das formações mais diversas possíveis, alem de atuar, também tocam, escrevem, dançam, entre outros atributos cênicos. Querem ou melhor precisam  contar suas estórias com urgência e da sua maneira. Estórias que falam de suas vidas, de seu povo, de uma mitologia especifica de uma determinada cultura. Quase sempre sem uma  formação acadêmica, eles são arautos de uma sabedoria, que inconscientemente mergulha nas  nascentes primordiais do Teatro. Isso porque literalmente incorporam personagens, de uma forma que se aproxima  da incorporação religiosa, mudam suas vozes, seus corpos e alem disso não precisam de um espaço teatral tradicional para representar. Representam em praias, praças, parques ou qualquer outro espaço. Não precisam de um texto, pois tem uma estória que improvisam. Não precisam de um diretor, pois todos são diretores, sozinhos, em grupos maiores ou menores.
Me pareceu interessante usar esse exemplo por duas razões: primeiro para tentar mostrar que esse sofisticado conceito forjado nos bancos acadêmicos  da pós-modernidade de ator- criador, já existe na figura dos artistas populares espalhados pelo interior do Brasil. Grupos de danças folclóricas, violeiros, repentistas, atores mambembes, que são sem sombra de duvida, modelos de representação mais próximos do que se imagina, dos atores dançarinos indianos, balineses, iranianos que tanto fascinam  nossos mestres do Teatro. Talvez  não tenham o valor de entrar para os anais da cultura erudita, por nos faltar esse hábito de cultuar nossas tradições de uma forma oficialmente eficaz.  Segundo para mostrar que essas  figuras populares podem estar tão próximas ou distantes de nós quantos os artistas orientais. Depende de qual tradição nos fala mais ao coração e ao espírito. Nós brasileiros somos  um resultado de um grande mistura genética. Parece que o artista mais essencial do teatro ou seja, o ator, está procurando uma forma de expressão que lhe permita  tocar em questões que lhe sejam profundamente caras, que lhe falem aos seus genes. Como um escritor, um pintor, ou um compositor, ele parece querer ter um domínio autoral sobre a sua criação, transcendendo, o conceito profissional e resgatando seu valor ancestral de ator.

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