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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O ATOR-CRIADOR EM BUSCA DO SEU DNA - Parte II

(Foto: Du Machado)

O ATOR-CRIADOR EM BUSCA DO SEU DNA - Parte II
(Por Samir Murad)

Para retomarmos o fio da meada sobre a questão do ator-compositor, iniciada no
ultimo artigo e passarmos a segunda e ultima parte dessa breve e rica reflexão, citarei
um pensamento de um assíduo freqüentador dessa coluna: Antonin Artaud, Agora a
tragédia em cena já não me basta, quero transportá-la para a minha vida.
Ainda que de forma radical e com tintas peculiarmente trágicas, Artaud traduz
de forma poética, as distintas e sempre sutis fronteiras que separam a vida do ator da
de seu personagem, apontando nesse caso para uma delicada e perigosa fusão entre
criador e criatura. Mas essa sua sentença também soa como uma das muitas charadas
artaudianas que pedem para ser decifradas em seus múltiplos sentidos, pois traz
embutida uma interpretação no mínimo pouco convencional (principalmente para a
época) de encarar o oficio da atuação, propondo que a vida do palco, posse transposta
em todas as suas complexas variantes para a realidade, como se essa fosse um extensão
da Arte.
Pois bem. Ao deter-se diante de novas necessidades de realizações que lhe
exigem uma expansão de seus recursos artísticos, o ator toma consciência de uma
maior, mais apurada e critica visão de seus instrumentos essenciais que são sua voz, seu
corpo, sua inteligência e suas emoções. Ora, é sabido que o bailarino, o cantor, o
musico, o artista de circo, só para citar alguns artistas da cena, exercitam-se de forma
disciplinada e regular.fora de cena,para manter seus respectivos instrumentos
afinados.Parece que só o ator, que utiliza sua sensibilidade, intuição com uma carga
absolutamente subjetiva e pessoa, se mantém numa posição, digamos rebelde e
displicente em relação a essa necessidade.
Ao detectar em si, um desejo de individualizar a máxima potencia sua criação e
imprimir uma assinatura pessoal a mesma, o Ator passa a ter um maior grau
desenvolvimento com o seu trabalho em termos de produção de recursos, de pesquisa e
de material artístico, e percebe que fatalmente terá que trazer essa tragédia, comedia, ou
seja, lá que estilo for para dentro da sua vida, adquirindo assim, maior autonomia e
responsabilidade sobre sua obra. Surge assim um Ator-criador, ou pelo menos um tipo
deles.
Assim, e curioso observar a verdadeira enxurrada no panorama teatral, principalmente
na ultima década, de um estilo ha muito considerado superado e decadente: O monologo
que volta a cena completamente ressignificado.
Seja se apoiando na releitura ou desconstrução de grandes personagens, em
um autor inédito, em adaptações literárias das mais variadas origens estilos, muitos
atores famosos e anônimos passaram a pensar e a realizar seus solos em suas respectivas
concepções, ainda que amparados por outros profissionais sejam eles cenógrafos,
diretores ou supervisores. Experimenta em si, uma interseção de outras linguagens da
cena e acima de tudo trazem a tona, pedaços de universos particulares, onde suas
aspirações artísticas se misturam com suas estórias de vida. Podem por exemplo
experimentar tocar violão, ou andar em pernas de pau, para exorcizar seus demônios
pessoais.
Encontramos assim um link entre esses Atores-autores e atores orientais e os
populares_eruditos mencionados no ultimo artigo, sendo que agora a especialização,
não leva a um aprofundamento que se fecha numa tradição, mas que abrem novos
horizontes conceituais e práticos a serem descortinados por esse novo Ator que não e
movido só por uma conveniência financeira, mas por uma necessidade maior de
carnalizar seu sonho em cena.
E claro, entretanto, que o solo não é o único caminho para que o Ator realize esse
novo percurso. Ao contrario, ele pode ser um caminho estéril para a repetição de
formulas ja conhecidas de exibicionismo e virtuosismo. Por outro lado, grupos
consolidadas como o LUME de Campinas em São Paulo, desenvolvem um trabalho
altamente autoral, que mescla teatro, dança, circo, mímica e eventualmente quando um
dos atores que realizar uma pesquisa mais especifica,este realiza um solo, que a seguir
incluído no repertorio do Grupo, pois afinal ninguém faz teatro sozinho.
Também o argumento simplificador de que essa necessidade autoral dos atores adviria
de uma reação a supremacia da figura do Encenador nas duas décadas anteriores,onde
aqueles seriam praticamente marionetes a serviço de uma concepção alheia a sua
vontade, parece não se sustentar.Se tomarmos um exemplo radical como Gerald
Thomas, cuja arrojada estética teatral exigia de seus atores um rigor milimétrico e
principalmente da protagonista de varias de suas encenações, a atriz Bete Coelho,vamos
perceber que ela realizava naquela composição ditada pelo encenador, um trabalho
absolutamente autoral,assim como acredito eu- os outros atores naturalmente em
medidas diferentes. Percebe-se assim que uma definição reducionista de um ATORCRIADOR
torna-se impraticável.
Artaud escreveu que há muito tempo, antes da era da especialização, o ator era
m sábio, um pintor, um terapeuta, um xama, um escritor, um gomeme de sete
instrumentos. O ator dominava todas as artes e todas as ciências. Não fica muito claro
que tempo era este, nem a que ator ele se referia exatamente. Embora ele trouxesse em
si a semente desses potenciais, como seu percurso atesta e tenha desenvolvido muitas
idéias a respeito, não conseguiu colocar em pratica nem consigo, nem com os outros
esse modelo de ator utópico, que permanece como um ideal a ser alcançado. Quem se
arrisca? Inegavelmente, muito do que se discute e se faz hoje Teatro utilizando-se desse
novo conceito de Ator, esbarra-se ainda que sem saber em premissas artaudianas, onde
os atores buscam de forma cada vez mais sofisticada a alma paradoxal desse ator
primitivo e desconhecido. Talvez a fé que ele tinha na forca transformadora que o
Teatro tem tanto para que aquele que faz como para aquele que assiste, seja uma
máxima que todo comprometido com sua criação, inegavelmente persegue.

Samir Murad
(Foto: Maria Busanovsk)

          No teatro trabalhou com Augusto Boal, Moacyr Góes, Sidnei Cruz, Sérgio Britto, Bibi Ferreira, Paulo de Moraes, entre outros. Participou de oficinas de Gerald Thomas, Amir Haddad e José Celso Martinez Correa e outros. No cinema participou dos filmes “O que é isso companheiro?” e “Benjamin” entre várias produções estrangeiras. Na televisão teve participações, em inúmeras novelas e minisséries.
É formado pela Uni-Rio como ator e professor, com pós-graduação em Teatro na UFRJ, sob a direção de Aderbal Freire Filho e com mestrado na Uni-Rio. Está a sete anos em cena com o solo performático “Para acabar de vem com o julgamento de Artaud”, que ficou segundo crítica do jornal O Globo, entre os dez melhores espetáculos de 2001 e que vem excursionando pelo país, estabelecendo intercâmbios com grupos de outros estados através de apresentações, oficinas, palestras e desde 2008 com o espetáculo “Édipo e seus duplos”, que trilha a mesma linha de pesquisa cênica.

(Fonte: Artes.com)

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