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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Os mortos precoces não precisam de nós...

(Foto: Du Machado)

“Os mortos precoces não precisam de nós, eles
que se desabituam do terrestre, docemente,
como de suave seio maternal. Mas nós,
ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes
só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles
poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira
música para lamentar Linos, violentou a rigidez da
matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,
quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu
em vibrações - que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.”

RAINER MARIA RILKE - do livro Elegias de Duíno, primeira elegia.
Tradução de Dora Ferreira da Silva.

domingo, 22 de janeiro de 2012

O CRIME DE ACORRENTAR E APRISIONAR UM ATOR

(Foto: Du Machado)


          "Não existe um ser humano que seja óbvio e fácil de compreender. O verdadeiro ator não deslizará pela superfície das personagens que interpreta nem lhes imporá seus maneirismos pessoais e invariáveis. Sei perfeitamente bem ser esse o costume largamente reconhecido e praticado, hoje em dia, em nossa profissão. Mas, seja qual for a impressão que isso possa causar-lhe, permita-me a liberdade de expressar-me sem restrições sobre esse ponto.
É um crime acorrentar e aprisionar um ator dentro dos limites de sua (assim chamada) “personalidade”, convertendo-o mais num trabalhador escravizado do que num artista. Onde fica sua liberdade? Como pode ele usar sua própria criatividade e originalidade? Por que deve ele aparecer sempre diante do público como uma marionete compelida a fazer a mesma espécie de movimentos quando os cordéis são puxados? O fato de que autores, público, críticos e até os próprios atores modernos tenham-se habituado a essa degradação do ator-artista não torna a acusação menos verdadeira nem o mal menos execrável.
Um dos mais decepcionantes resultados provenientes desse tratamento habitual do ator foi fazer dele um ser humano menos interessante no palco do que invariavelmente o é na vida privada. (Seria infinitamente melhor para o teatro se o inverso prevalecesse.) Suas “criações” não são dignas de si próprio. Usando somente seus maneirismos, o ator acaba destituído de imaginação; todas as personagens tornam-se-lhe a mesma.
Criar, na acepção real, significa descobrir e mostrar novas coisas. Mas que novidade existe nos afetados maneirismos e clichês do ator agrilhoado? O profundamente escondido e, hoje em dia, quase completamente esquecido desejo de todo verdadeiro ator é expressar-se, afirmar seu próprio ego, por intermédio de seus papéis. Mas como poderá fazer isso, se é encorajado, solicitado, na maioria dos casos, a recorrer a seus maneirismos, em vez de a sua imaginação criativa? Não pode, já que a imaginação criativa é um dos principais canais através dos quais o artista existente por meio nele encontra o modo de expressar sua própria interpretação individual (e, portanto, sempre única) das personagens que retrata. E como irá ele expressar sua individualidade criativa se não penetra ou se não pode penetrar profundamente na vida interior das próprias personagens com sua imaginação criativa?
Estou inteiramente preparado para encontrar certa discordância com esses pontos de vista; é um sinal, pelo menos, de que o ator está dedicando alguma reflexão ao problema. Não obstante, a bem da argumentação, convém achar o melhor árbitro. Nesse caso, recomendo o próprio poder da imaginação. Comece fazendo os exercícios sugeridos a seguir e você poderá mudar de idéia depois de ver e sentir até que ponto desenvolve sua capacidade de penetração enquanto trabalha seus papéis; como suas personagens vão-lhe parecer interessantes e complexas, ao passo que antes parecia-lhe ordinárias, desenxabidas e óbvias; como lhe revelarão muitas características psicológicas novas, humanas e inesperadas, e como, por conseguinte, sua interpretação se tornará cada vez menos monótona!”
(Trecho do livro Para o Ator de Michael Chekhov - Ed: Martins Fontes - São Paulo 2003- Tradução: Álvaro Cbral)



MICHAEL CHEKHOV, sobrinho do dramaturgo Anton Chekhov, nasceu em São Petersburgo, Rússia, em 1891. Foi o mais brilhante membro do Teatro de Arte de Moscou, fundado por Constantine Stanislavski, até sua partida para o exílio em 1928, fugindo dos bolcheviques. Na Europa, até a chegada da Segunda Guerra Mundial e, a partir dos anos 40, nos EUA, Chekhov continuou explorando sua própria abordagem psicofísica para a arte de atuar, baseada na imaginação do ator como ferramenta para vivenciar o momento dramático.











segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O ATOR-CRIADOR EM BUSCA DO SEU DNA - PARTE I

(Foto: Du Machado)

O ATOR-CRIADOR EM BUSCA DO SEU DNA - Parte I
(Por Samir Murad)

          Tendo surgido no Brasil há pouco mais de uma década, entre aqueles que não só fazem mas também pensam o Teatro e por aqueles que  pensam o teatro que fazem, o termo ator-autor ou ainda ator-compositor, tem provocado em distintas comunidades  teatrais, discussões saudavelmente polêmicas. Na verdade esse conceito nada tem de novo, é mais velho do que o próprio Teatro como o conhecemos hoje e nos remete a um tempo, onde  o ator era o único elemento da Cena. O ator rapsodo Tespis, atrelado a sua carroça, andarilho, de cidade em cidade na antiga Grécia, contando  estórias  de embates entre deuses e homens, se transformando nos personagens que narrava, talvez seja para nós do ocidente a primeira referência desse ator, que hoje teima em renascer. Mas como Dioniso, deus grego cuja origem se perde em paragens mais orientais, esse personagem antecede o próprio Tespis. Não é por acaso que figuras exponenciais do século XX, que buscam a força suprema da eficácia teatral em suas origens, tais como Artaud e mais posteriormente  encenadores como Grotowski, Eugenio Barba, e Peter Brook justamente por serem europeus, vão buscar no teatro oriental, referências que renovem ou até mesmo ressuscitem valores que o teatro ocidental parece, em sua sede de um profissionalismo  capitalista e utilitário, ter esquecido. Mas aí surge um  grande paradoxo: ao ir de encontro a essas manifestações teatrais, eles se dão conta de outro contexto sóciopolítico onde elas estão inseridas, e que no máximo o que poderiam, era assimilar métodos e treinamentos, que pudessem auxiliar o ator desse lado do mundo, a encontrar  novas motivações para uma expressão mais plena. Isso porque inicialmente, o teatro encontrado nessas fontes não tem como para a maioria de nós, o sentido  apenas de entretenimento, ou melhor, de um entretenimento para fazer rir exclusivamente. O Teatro chinês, japonês, indiano, só para citar alguns dos principais, está cravejado em sua expressão cênica, de valores ancestrais profundamente ligados ao inconsciente daquele povo, que entende cada gesto, cada olhar, cada som emitido pelo ator em cena. As cores, os figurinos, os objetos, trazem significações simbólicas inerentes a sua cultura e a sua mitologia. O ator em cena é praticamente um sacerdote que pode cantar, tocar um instrumento, dançar e evocar as forças da natureza, como por exemplo o vento, a partir de um simples movimento da manga de seu figurino. Existe uma ambientação mas tudo converge para a figura do ator. Ele manipula todo o resto dos elementos de cena. Dificilmente existem espetáculos com muitos atores. São trabalhos muito específicos, altamente especializados. Na verdade são ofícios, passados de geração a geração, onde o filho assimila num treinamento que começa bem cedo, aqueles  conteúdos artísticos que são a memória, o registro da história de um povo. Ele passa a vida fazendo só aquilo, se aperfeiçoando, não tem que ter outra atividade para sobreviver. É pago para isso, pois a sociedade em que vive sabe o inestimável valor que esse artista tem para a manutenção de seu patrimônio cultural. 
(Foto: Du Machado)

          Evitando entrar em algum tipo de juízo de valores, fica evidente por motivos óbvios, a dificuldade de transposição desse tipo de teatro para a nossa realidade ocidental brasileira. Mas surpreendentemente temos muitos pontos em comum: um grande numero de atores na verdade, em todo o Brasil, das formações mais diversas possíveis, alem de atuar, também tocam, escrevem, dançam, entre outros atributos cênicos. Querem ou melhor precisam  contar suas estórias com urgência e da sua maneira. Estórias que falam de suas vidas, de seu povo, de uma mitologia especifica de uma determinada cultura. Quase sempre sem uma  formação acadêmica, eles são arautos de uma sabedoria, que inconscientemente mergulha nas  nascentes primordiais do Teatro. Isso porque literalmente incorporam personagens, de uma forma que se aproxima  da incorporação religiosa, mudam suas vozes, seus corpos e alem disso não precisam de um espaço teatral tradicional para representar. Representam em praias, praças, parques ou qualquer outro espaço. Não precisam de um texto, pois tem uma estória que improvisam. Não precisam de um diretor, pois todos são diretores, sozinhos, em grupos maiores ou menores.
Me pareceu interessante usar esse exemplo por duas razões: primeiro para tentar mostrar que esse sofisticado conceito forjado nos bancos acadêmicos  da pós-modernidade de ator- criador, já existe na figura dos artistas populares espalhados pelo interior do Brasil. Grupos de danças folclóricas, violeiros, repentistas, atores mambembes, que são sem sombra de duvida, modelos de representação mais próximos do que se imagina, dos atores dançarinos indianos, balineses, iranianos que tanto fascinam  nossos mestres do Teatro. Talvez  não tenham o valor de entrar para os anais da cultura erudita, por nos faltar esse hábito de cultuar nossas tradições de uma forma oficialmente eficaz.  Segundo para mostrar que essas  figuras populares podem estar tão próximas ou distantes de nós quantos os artistas orientais. Depende de qual tradição nos fala mais ao coração e ao espírito. Nós brasileiros somos  um resultado de um grande mistura genética. Parece que o artista mais essencial do teatro ou seja, o ator, está procurando uma forma de expressão que lhe permita  tocar em questões que lhe sejam profundamente caras, que lhe falem aos seus genes. Como um escritor, um pintor, ou um compositor, ele parece querer ter um domínio autoral sobre a sua criação, transcendendo, o conceito profissional e resgatando seu valor ancestral de ator.

O ATOR-CRIADOR EM BUSCA DO SEU DNA - Parte II

(Foto: Du Machado)

O ATOR-CRIADOR EM BUSCA DO SEU DNA - Parte II
(Por Samir Murad)

Para retomarmos o fio da meada sobre a questão do ator-compositor, iniciada no
ultimo artigo e passarmos a segunda e ultima parte dessa breve e rica reflexão, citarei
um pensamento de um assíduo freqüentador dessa coluna: Antonin Artaud, Agora a
tragédia em cena já não me basta, quero transportá-la para a minha vida.
Ainda que de forma radical e com tintas peculiarmente trágicas, Artaud traduz
de forma poética, as distintas e sempre sutis fronteiras que separam a vida do ator da
de seu personagem, apontando nesse caso para uma delicada e perigosa fusão entre
criador e criatura. Mas essa sua sentença também soa como uma das muitas charadas
artaudianas que pedem para ser decifradas em seus múltiplos sentidos, pois traz
embutida uma interpretação no mínimo pouco convencional (principalmente para a
época) de encarar o oficio da atuação, propondo que a vida do palco, posse transposta
em todas as suas complexas variantes para a realidade, como se essa fosse um extensão
da Arte.
Pois bem. Ao deter-se diante de novas necessidades de realizações que lhe
exigem uma expansão de seus recursos artísticos, o ator toma consciência de uma
maior, mais apurada e critica visão de seus instrumentos essenciais que são sua voz, seu
corpo, sua inteligência e suas emoções. Ora, é sabido que o bailarino, o cantor, o
musico, o artista de circo, só para citar alguns artistas da cena, exercitam-se de forma
disciplinada e regular.fora de cena,para manter seus respectivos instrumentos
afinados.Parece que só o ator, que utiliza sua sensibilidade, intuição com uma carga
absolutamente subjetiva e pessoa, se mantém numa posição, digamos rebelde e
displicente em relação a essa necessidade.
Ao detectar em si, um desejo de individualizar a máxima potencia sua criação e
imprimir uma assinatura pessoal a mesma, o Ator passa a ter um maior grau
desenvolvimento com o seu trabalho em termos de produção de recursos, de pesquisa e
de material artístico, e percebe que fatalmente terá que trazer essa tragédia, comedia, ou
seja, lá que estilo for para dentro da sua vida, adquirindo assim, maior autonomia e
responsabilidade sobre sua obra. Surge assim um Ator-criador, ou pelo menos um tipo
deles.
Assim, e curioso observar a verdadeira enxurrada no panorama teatral, principalmente
na ultima década, de um estilo ha muito considerado superado e decadente: O monologo
que volta a cena completamente ressignificado.
Seja se apoiando na releitura ou desconstrução de grandes personagens, em
um autor inédito, em adaptações literárias das mais variadas origens estilos, muitos
atores famosos e anônimos passaram a pensar e a realizar seus solos em suas respectivas
concepções, ainda que amparados por outros profissionais sejam eles cenógrafos,
diretores ou supervisores. Experimenta em si, uma interseção de outras linguagens da
cena e acima de tudo trazem a tona, pedaços de universos particulares, onde suas
aspirações artísticas se misturam com suas estórias de vida. Podem por exemplo
experimentar tocar violão, ou andar em pernas de pau, para exorcizar seus demônios
pessoais.
Encontramos assim um link entre esses Atores-autores e atores orientais e os
populares_eruditos mencionados no ultimo artigo, sendo que agora a especialização,
não leva a um aprofundamento que se fecha numa tradição, mas que abrem novos
horizontes conceituais e práticos a serem descortinados por esse novo Ator que não e
movido só por uma conveniência financeira, mas por uma necessidade maior de
carnalizar seu sonho em cena.
E claro, entretanto, que o solo não é o único caminho para que o Ator realize esse
novo percurso. Ao contrario, ele pode ser um caminho estéril para a repetição de
formulas ja conhecidas de exibicionismo e virtuosismo. Por outro lado, grupos
consolidadas como o LUME de Campinas em São Paulo, desenvolvem um trabalho
altamente autoral, que mescla teatro, dança, circo, mímica e eventualmente quando um
dos atores que realizar uma pesquisa mais especifica,este realiza um solo, que a seguir
incluído no repertorio do Grupo, pois afinal ninguém faz teatro sozinho.
Também o argumento simplificador de que essa necessidade autoral dos atores adviria
de uma reação a supremacia da figura do Encenador nas duas décadas anteriores,onde
aqueles seriam praticamente marionetes a serviço de uma concepção alheia a sua
vontade, parece não se sustentar.Se tomarmos um exemplo radical como Gerald
Thomas, cuja arrojada estética teatral exigia de seus atores um rigor milimétrico e
principalmente da protagonista de varias de suas encenações, a atriz Bete Coelho,vamos
perceber que ela realizava naquela composição ditada pelo encenador, um trabalho
absolutamente autoral,assim como acredito eu- os outros atores naturalmente em
medidas diferentes. Percebe-se assim que uma definição reducionista de um ATORCRIADOR
torna-se impraticável.
Artaud escreveu que há muito tempo, antes da era da especialização, o ator era
m sábio, um pintor, um terapeuta, um xama, um escritor, um gomeme de sete
instrumentos. O ator dominava todas as artes e todas as ciências. Não fica muito claro
que tempo era este, nem a que ator ele se referia exatamente. Embora ele trouxesse em
si a semente desses potenciais, como seu percurso atesta e tenha desenvolvido muitas
idéias a respeito, não conseguiu colocar em pratica nem consigo, nem com os outros
esse modelo de ator utópico, que permanece como um ideal a ser alcançado. Quem se
arrisca? Inegavelmente, muito do que se discute e se faz hoje Teatro utilizando-se desse
novo conceito de Ator, esbarra-se ainda que sem saber em premissas artaudianas, onde
os atores buscam de forma cada vez mais sofisticada a alma paradoxal desse ator
primitivo e desconhecido. Talvez a fé que ele tinha na forca transformadora que o
Teatro tem tanto para que aquele que faz como para aquele que assiste, seja uma
máxima que todo comprometido com sua criação, inegavelmente persegue.

Samir Murad
(Foto: Maria Busanovsk)

          No teatro trabalhou com Augusto Boal, Moacyr Góes, Sidnei Cruz, Sérgio Britto, Bibi Ferreira, Paulo de Moraes, entre outros. Participou de oficinas de Gerald Thomas, Amir Haddad e José Celso Martinez Correa e outros. No cinema participou dos filmes “O que é isso companheiro?” e “Benjamin” entre várias produções estrangeiras. Na televisão teve participações, em inúmeras novelas e minisséries.
É formado pela Uni-Rio como ator e professor, com pós-graduação em Teatro na UFRJ, sob a direção de Aderbal Freire Filho e com mestrado na Uni-Rio. Está a sete anos em cena com o solo performático “Para acabar de vem com o julgamento de Artaud”, que ficou segundo crítica do jornal O Globo, entre os dez melhores espetáculos de 2001 e que vem excursionando pelo país, estabelecendo intercâmbios com grupos de outros estados através de apresentações, oficinas, palestras e desde 2008 com o espetáculo “Édipo e seus duplos”, que trilha a mesma linha de pesquisa cênica.

(Fonte: Artes.com)